Primeiro foram dois anos dentro da toca, experimentando, mexendo, raspando, esquentando, esfriando, submergindo no mundo dessa nova e bem velha técnica, a encáustica.
E agora algumas pessoas tem brotado do orvalho, querendo umas informações sobre a dita cuja.
Então aí vai um momento livro aberto…
Quando eu estava na faculdade, há mais de uma dúzia de anos, a pintura encáustica era uma coisa meio mitológica…
Tivemos várias técnicas no curriculum, aquela coisa, aquarela, óleo, têmpera de ovo… mas ouvi uma colega descolada comentando sobre uma técnica incrível, perdida no tempo, que usava cera. Tentei obter mais informações, mas quando a gente tem pouco mais de 20 e não tem internet (não, eu não tinha internet… nem eu nem quase ninguém) entre uma certa preguiça de buscar informações e a arroganciazinha própria dessa época, segui com a informação que eu tinha: uma técnica que usava cera.
Aonde acho cera? Nas velas!!!
E assim derreti algumas velas, coloquei pigmento e pincelei alguns relevos sobre as minhas telas de acrílica!
Eram umas árvores… e as folhas eram de cera…
Ainda bem que não segui muito adiante com isso, pois logo em seguida veio o outono e o inverno naquela minha tela, e a árvore perdeu as folhas.
Por que?
A coisa é toda muito simples, pintar com cera.
Cera. Aquilo produzido pelas abelhas… que já o faziam há cinco mil anos…
Até tem vela de cera de abelha, mas quando pensamos em vela, em geral é aquela coisa branca que vende no supermercado e vem num pacotinho com 8 unidades. E esta é feita de parafina. Parafina é feita de nafta, resíduo do petróleo. Não serve. Só quando acabar a luz.
A cera de abelha é o componente principal do medium. E por si só já é suficiente para ser usada, adicionando-se pigmento.
A cera de abelha pode ser bruta ou branqueada. Eu uso ambas, preferencialmente a bruta, por ter suas características mais íntegras.
A cera de abelha QUEIMA. Não deve-se aquece-la acima dos 80ºC, pois queimada ela fica escura e perde a elasticidade. Acima de 200ºC ela entra em combustão, gerando um gás altamente prejudicial a saúde.
Portanto, ao derreter a cera use um recipiente em banho-maria, ou equipamento especialmente desenvolvido para isso.
O ponto de fusão da cera de abelha é em torno de 62ºC. Ou seja, baixo. Num dia bem quente de Brasil a pintura pode amolecer.
Para aumentar o ponto de fusão do medium acrescento pequenas partes de cera de carnaúba (82ºC) e resina de damar (os cristais!!! Não o verniz.) Mas recomendo se dar um passo de cada vez, então é melhor deixar essa receita para mais tarde.
Pigmento. Não confundir com corante. O pigmento é um pó. Suvinil não serve.
Pó xadrez até pode ser… Mas eu gosto dos pigmentos Sennelier.
Já avançamos um pouco, mas ainda é possível que as folhas caiam no inverno…
A cera adere a quase tudo, mas à tela e sobretudo com tinta acrílica, ela adere muito mal. A tela é maleável, vai trabalhando conforme a temperatura e a cera pode se descolar inteira do fundo.
Eu recomendo uma superfície rígida, madeira é ótimo. Tenho usado compensado naval fininho, pois trabalho em grandes formatos, e ainda não comprei um guindaste…
O passo seguinte é fundir. Hã?
Re-derreter a cera recem aplicada na camada anterior, para que aquilo se torne uma coisa só. Ou seja, aplicar uma fonte de calor sobre aquilo que acabou de ser pintado. Passar um ferro (numa temperatura baixíssima), um secador de cabelo, um aquecedor, um maçarico… ou um pouquinho de tudo isso. Se vai estragar o que acabou de ser pintado? Talvez. Provavelmente, e essa é a beleza da coisa. A gente não estraga a comida quando come… mas aproveita.
E assim vamos, camada a camada. A cada camada deve ser feita a fusão. Esqueça o relógio, a agenda. It takes time…
Aproveitem.